"O senhor é incapaz de discutir as responsabilidades"
Margarida Vaqueiro LopesFoi um Passos Coelho mais incisivo que hoje enfrentou José Sócrates no último debate antes do início oficial da campanha eleitoral.
O início do encontro até pertenceu a José Sócrates, mas foi o candidato social-democrata que mais se destacou no último debate da semana, que opôs os líderes dos dois principais partidos da oposição, na RTP.
Questionado sobre por que deveria receber dos portugueses uma nova oportunidade, José Sócrates voltou a apontar culpas à oposição respondendo que "estávamos a fazer o nosso caminho, mas esse processo foi interrompido por uma crise política".
E sublinhando que a diferença entre PS e PSD está fundada sobretudo na questão do Estado Social, o primeiro-ministro demissionário referiu que, nesse sentido, "se trata de me dar uma nova oportunidade, mas de fazer uma escolha".
Já Passos Coelho recordou os líderes britânicos David Cameron e Tony Blair, quando confrontado com a sua ‘inexperiência'.
"David Cameron também nunca fez parte de um Governo e as expectativas em relação ao trabalho dele são muito elevadas. E até é mais novo do que eu, só para realçar uma das coisas que às vezes apontam como sendo um problema, que é o facto de eu ter 46 anos. Tal como Tony Blair, que também não tinha experiência. Portanto, creio que essa é uma falsa questão", relativizou o líder laranja.
O encontro ficou marcado sobretudo pelos temas da saúde, do emprego e da Taxa Social Única, com José Sócrates a pedir esclarecimentos sobre os "co-pagamentos que o PSD quer implementar" no Serviço Nacional de Saúde, e sobre a revisão constitucional proposta pelo partido de Passos Coelho, que "apresentava fundamentalmente três mudanças [incluindo o final de um SNS tendencialmente gratuito]: a proibição do despedimento por justa causa e que Estado deixasse de ter obrigação de ter uma rede de escolas públicas".
Na mesma ocasião, José Sócrates acusou ainda o partido social-democrata de apresentar propostas que "rompem com um consenso na Europa sobre o que são as linhas do Estado Social".
Passos Coelho retorquiu, afirmando que "o engenheiro Sócrates é o primeiro-ministro da área socialista que mais maldades e malfeitorias fez ao Estado social. Foi o primeiro primeiro-ministro que cortou os salários na função pública, diminuiu comparticipações dos medicamentos, reduziu subsídios e abonos [...] e agora vem aqui querer dizer ao País, que isto está muito mal por causa da crise internacional, e ‘cuidado, que dali do outro lado', apontando para mim, está alguém que quer destruir o Estado Social?", questionou Passos.
"Portugal tem 700 mil desempregados. Se o senhor conseguir explicar aos portugueses porque é que chegou a uma situação em que o Estado social está cada vez menos presente para apoiar as pessoas, depois podemos falar da revisão constitucional", concluiu o líder social-democrata.
Seguiu-se uma acesa troca de ‘citações' dos dois responsáveis, com José Sócrates a acusar Passos Coelho de em 2010 ter assinado um relatório da empresa onde era então administrador, e onde admitia haver um cenário de crise internacional que tinha impactado negativamente na economia nacional, e com o presidente do PSD a recordar as diversas entrevistas do primeiro-ministro demissionário em que afirmava que "não estava disponível para Governar com o FMI", que "não será necessário cortar salários da função pública" e que "não haverá aumentos de impostos". Mais tarde, acusou Passos, José Sócrates cortou nos salários, aumentou os impostos e quer governar com o programa do FMI.
"Essas declarações foram feitas antes da crise da divida soberana. E todos os Países tiveram que alterar as políticas orçamentais. Mudou Portugal como mudaram todos os países europeus. Lamento muito mas o senhor não tem razão. O Governo fez o seu dever para melhor fazer cumprir os seus objectivos", disse defendeu-se o líder socialista.
Já em relação ao relatório citado por Sócrates, Passos diria apenas que "escrevi aquilo que penso e porventura mudo de opinião porque a realidade muda". Mas, notou, "As suas decisões afectaram muito mais os portugueses do que esse relatório que o senhor leu".
"Este é o resultado das suas políticas"
Questionado sobre o que faria em termos de saúde. José Sócrates respondeu que o PS continuará a investir na "unidade de cuidados continuados, em reformar a rede urgência, em melhorar a nossa rede hospitalar". Não foi, no entanto, mais longe, o que fez com que Passos Coelho adoptasse uma postura mais descontraída, e dissesse, em tom de brincadeira: "quando ouvimos o senhor, percebemos duas coisas: que o País está bem, que Portugal melhorou muito em todos os sectores, que o senhor ministro das Finanças estava enganado, que o Estado afinal não precisava de aumentar os impostos brutalmente no ano passado, e que não precisou de cortar subsídios e abonos".
"Este é o resultado das suas políticas", acusou. "É isto que os portugueses sentem. E acrescentou que "o senhor é incapaz de assumir as suas responsabilidades. Insistiu em iniciar este debate a discutir as minhas ideias, o que é muito lisonjeiro. Mas gostava de o ver discutir as suas responsabilidades. O senhor vai a votos como primeiro-ministro. A dificuldade que o senhor tem em discutir a responsabilidade da acção do seu Governo espanta os portugueses", concluiu.
O debate foi subindo de tom e o líder socialista reagiu acusando Passos Coelho de "em vários momentos da sua intervenção política, ter posto em causa a minha palavra" e redarguindo que "eu assumo todas as responsabilidades. Portugal está a enfrentar uma crise que não provocou. Mas nunca virei a cara a enfrentar as dificuldades. O senhor é responsável por criar uma crise politica no nosso pais. Levou Portugal a ter que pedir ajuda externa, o que nos conduziu a um programa em que temos que aceitar todas as medidas que estavam no PEC IV que o senhor recusou. O senhor abriu esta crise política para ganhar as eleições. Mas esta crise política prejudicou a economia nacional", salientou o primeiro-ministro demissionário.
"O engenheiro Sócrates criou uma fantasia", respondeu, por seu lado, Passos Coelho. É que o Parlamento quando lhe chumbou o PEC foi apenas porque os partidos políticos estavam cheios de pressa para ir para o Governo", disse em tom irónico. "Eu não tenho nenhuma pressa para ir para o Governo. Nunca exigi a ninguém contrapartidas governativas para aprovar com o Governo medidas difíceis. Várias medidas difíceis, tomou-as, porque o PSD lho permitiu", sublinhou.
José Sócrates acusou então o líder laranja de estar "à espera dessa ajuda externa para apresentar uma moção de censura. Sempre foi essa a sua estratégia. O País não precisava de ajuda externa. Isto tem custos. Quem provocou a ajuda externa foi o senhor. Na única decisão importante que o senhr teve que tomar na sua vida política, decidiu abrir uma crise política", responsabilizou.
No final do encontro, apenas um ponto mereceu o consenso dos dois responsáveis: ambos os líderes garantiram que só ocuparão o cargo de primeiro-ministro se "o povo" assim o decidir.
A campanha eleitoral arranca já na próxima semana, com todos os candidatos a São Bento na rua à procura de uma maioria no dia 5 de Junho.
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